17 de set. de 2011

Tom Hanks, o filósofo americano do cinema


Tom Hanks é, para mim, um representante dos humores nos EUA. No começo dos anos 90, protagonizou um filme pesado e esclarecedor sobre o vírus HIV, "Filadélfia", numa época em que o mundo começava a se reconfigurar após o fim da URSS e o começo do triunfo neoliberal sobre a economia e a cultura.

Mais para o final dos anos 90, emplacou um dos maiores hits da história do cinema recente e não só em termos de bilheteria, "Forrest Gump". Aqueles eram tempos de confiança inabalada do poder dos indivíduos; parecia que o sonho americano nunca mais teria fim, apesar de alguns tropeços na economia e no cenário mundial. Forrest era o exemplo clássico do que uma pessoa pode alcançar na “América” tão versada em “destinos manifestos”. Ignorante, pouco consciente do mundo que o cerca, ele conheceu o sucesso predestinado e ganhou dinheiro e fama de todas as maneiras possíveis. Nunca comprometendo, é claro, seu puritanismo clássico, aquele que herdou do Mayflower e que amarra até hoje as linhas hereditárias do calvinismo meritocrático que Max Weber viu como traço principal do ethos socioeconômico americano.

Esses são apenas dois personagens dentre muitos que se poderia citar na carreira de Tom Hanks. Fato é que ele sempre encontra uma maneira de expressar uma opinião comum dormente em seu país através de uma máscara cinematográfica bem-calculada que gera compaixão em qualquer um, esteja esse alguém no Maine ou em Bangcoc. 


"Larry Crowne", mais uma vez, é um filme sobre um homem. Americano na sua essência, vai novamente nos apresentar uma trajetória sintomática do que Hanks vê em seu querido país. Dessa vez ainda mais, já que ele próprio dirige o longa. E eis mais uma vez o espírito dos tempos:
Larry Crowne trabalha como vendedor em uma loja ao estilo Wal-Mart. Vai feliz ao trabalho todos os dias, apesar de estar com dificuldades na vida. Separado da esposa, não teve filhos e está com dificuldades para pagar a hipoteca da casa que deveria ser seu ninho de amor, mas agora abriga a ele, solitário. Eis a pista número um. Lembram-se da crise do “subprime”, que aconteceu justamente porque o americano médio não conseguiu mais honrar suas dívidas e teve de liquidar a hipoteca de sua casa, gerando uma crise em bola de neve pelo mundo? Larry Crowne é um deles.

Pior: sua empresa se dá conta de que ele é o único empregado que não possui diploma universitário e resolve demiti-lo por conta disso. O filósofo francês Alexis de Tocqueville já havia notado, no século XIV, que os americanos eram uma nação de pessoas que eram bem-educadas na média, mas que não iam além do ensino médio. A coisa mudou de figura, não, Larry Crowne? Some a imigração (ilegal), as mudanças na economia global, repetidas recessões globais e uma crise aguda nos EUA e teremos como resultado uma sinuca bico para o chamado “average Joe”, o Zé Mané americano.

Sem emprego, sem mulher e, eventualmente, sem casa, Crowne agora tem de recomeçar a vida. Onde está a resposta, caros amigos? Como ele encontrará seu par (a sempre linda Julia Roberts, afinal isso aqui é uma comédia romântica)? É justamente na educação que o personagem de Hanks começará sua virada. Ao se matricular numa “community college”, ele volta a sentir útil, inteligente e capaz. Conhece a professora por quem irá se apaixonar, faz novos amigos e se redescobre, nas falhas e nas coisas positivas. Como de costume para Hanks, o indivíduo tudo pode, tudo quer e tudo faz. E não há terra melhor do que a “América” para isso.

Não vou estragar a surpresa do final, mas ele é surpreendente. Indica que estamos vivendo novos tempos, mesmo para quem um dia já achou que o mundo estava a seus pés, como pensaram certa feita os americanos. Mas Tom Hanks manda a mensagem: eles não desistirão fácil. Com ou sem arrogância, com ou sem domínio mundial, os EUA são um país que se vê com um propósito no mundo, com um “destino manifesto”. E Larry Crowne deixa à mostra tudo aquilo que a crise anda escondendo de nós. 

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