9 de ago. de 2012

Disco velho da semana: Dr. John


Dr. John protagonizou uma das cenas mais melancólicas que já presenciei. Era 2005, e eu estava no Rio para vê-lo no (falecido) TIM Festival. A Marina da Glória estava lotada de gente; havia mais gente com pulseiras VIPs do que público "normal", típico do Rio. Quando cheguei ao palco em que o pianista de New Orleans tocaria, fiquei surpreso com as muitas pessoas que acompanhavam o show de abertura, de Dona Ivone Lara. Vi um famoso ou outro com o canto dos olhos e sentei, esperando que Mac Rabennack (o nome verdadeiro de Dr. John) entrasse e se sentasse ao piano.

Cada minuto a menos na contagem para o início do show de Dr. John, significava uma cadeira vazia a mais. Foi aflitivo. Queria impedir as pessoas de se levantarem e irem embora. Justo naquela hora, poxa? "Agora que vai começar?". A ansiedade surtiu pouco efeito. E por que diabos as pessoas se evadiam quando uma lenda da música estava prestes a entrar em cena? Fiquei intimamente envergonhado quando Dr. John se postou frente a frente com seu crânio, companheiro antigo de piano, e começou o show. Senti vergonha por todos nós, que estávamos ali antes. Por todos que tinham acesso aos outros palcos da Marina (eu não tinha). A todos que puderam ver um dos maiores músicos de blues de todos os tempos, mas saíram correndo antes que ele batesse a primeira tecla do piano.


Me senti ainda pior quando ele, vendo a situação, pediu a todos os 50 presentes que se levantassem das mesas e se aproximassem do palco logo de uma vez. E vimos, em pé, com um tremendo de um vazio às costas, com uma tremenda de uma banda à frente, "o" Dr. John. O homem que era amigo de Stevie Ray Vaughan, que misturou o blues com o jazz, com a música do Mardi Gras de New Orleans, que gravou um dos maiores discos da história ("In The Right Place"), tocando para um público menor que o do Café Piu-Piu. Foi um privilégio embaraçoso. Uma dádiva meio suja, meio errada.


Dava para apoiar os braços no palco enquanto ele tocava uma das minhas canções favoritas de todos os tempos, "Right Place Wrong Time". Um suingue que de tão bom, tão raro, é um fenômeno da natureza, incontrolável e impossível de explicar. Tem que ver de perto.

Tudo isso para falar do tal disco velho, "In The Right Place", de 1973, que é referência para todo tipo de músico. Que inspirou o último disco do próprio Dr. John ("Locked Down", de 2012), produzido pelo fã Dan Auerbach (Black Keys). Um disco pouco citado nas compilações de melhores de todos os tempos, do século ou coisa que o valha, mas que merecia mais atenção.

Eu vi o Dr. John de perto, e ele tocou uma música desse disco na minha frente. Até hoje não acredito nisso. Até hoje não acredito que todas aquelas pessoas e suas pulseirinhas prateadas preferiram ouvir Elvis Costello cantar "She" a ficar pertinho do desafinado Dr. John. "She" deixou Dr. John cantando quase sozinho.

Veja Dr. John no filme "Piano Blues", de Clint Eastwood:


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